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domingo, 16 de março de 2008

O palco da mente

O verdadeiro nó do mundo interior permanece ainda como um dos maiores mistérios e deixa a pergunta: o que é a consciência humana?

Por Ana Carolina Guedes Pereira

A MENTE É TUDO?
Após esta breve passagem pelo “submundo”, que tal o “sobremundo”? As coisas que existem, mas não estão dentro do domínio da nossa consciência. Quantas galáxias e planetas estão ainda por ser descobertos? As unidades da matéria que não podemos enxergar e que podem um dia ser ainda mais tolhidas cientificamente além dos átomos e quarks. É inevitável tocar na questão filosófica sobre o que realmente é.
Muitos pensadores consideram que a realidade não existe fora da mente. Estaríamos presos em nossa mente. Tudo é percebido e traduzido em conceitos cerebrais. Não temos acesso direto e objetivo ao mundo real. Sob outra perspectiva, concebe-se também que este mundo real existe independente de mentes humanas, sendo talvez muito maior ou menor do que a nossa consciência é capaz de perceber; a ciência, mesmo com suas limitações, talvez proporcionasse a melhor abordagem para entender e expandir o conhecimento humano deste mundo real.
Finalmente, o que é a consciência? Estar consciente é estar ciente da percepção, é estar autociente, “estar ciente de estar ciente” e ser capaz de refletir nossas experiências pessoais.
É essencial realizar duas distinções importantes em relação à denominação consciência. A primeira refere-se ao nível de consciência, isto é, estar alerta, sonolento, em estupor ou coma, regulado pelo sistema reticular ascendente no tronco cerebral. A segunda é, por exemplo, o meu estar consciente de ver o verde destas folhas não longe de mim. É o conteúdo específico de uma experiência consciente. A primeira permite que a segunda ocorra.
Mais precisamente, existe algo de muito especial a cada único momento – o agora, o estado atual da consciência. O meu “agora” que me faz olhar e meu cérebro perceber o verde das folhas das árvores do cemitério judaico em Berlim faz-me indagar sobre a natureza da consciência e digitar no meu laptop. Estes múltiplos processamentos cognitivos são unificados a uma experiência única e coerente, e que pode, por exemplo, ser relembrada posteriormente. Os mecanismos pelos quais isto é possível são ainda um insondável e obscuro mistério que a neurociência ambiciosamente procura desvelar.
ELEMENTO SUBJETIVO
Pensadores como Colin McGinn consideram que a consciência não é um problema tratável já que existem limites da cognição humana. Podemos não ter o aparato computacional cerebral para resolver esta questão. É difícil saber o limite do conhecimento. Outros, como Patricia Churchland e Daniel Dennett acreditam que não há problema algum. A consciência é a conseqüência de funções cognitivas altamente complexas. É parte do cérebro em operação. É como referir-se a pernas quando caminhamos. Th omas Nagel, por exemplo, considera que a ciência não possui, até então, as ferramentas para decifrar este mistério, pois a experiência da consciência é inevitavelmente subjetiva, e a ciência lida com as dimensões do geral e do objetivo.
Realmente, não sabemos como a atividade elétrica dos neurônios se transforma na experiência subjetiva de cada indivíduo: momentos únicos que fazem, por exemplo, do meu olhar sobre as folhas verdes que se refletem iluminadas pela janela deste apartamento em Berlim um momento particularmente especial para mim; outros as enxergariam com menos sentimentalidade. O olhar de uma mãe para seu filho carrega em si um imenso mundo único de significados. Não compreendemos a natureza deste “elemento subjetivo”, mas isto não deve coibir a ciência da busca da compreensão da consciência, mesmo que esta exista apenas na esfera individual. É normalmente por meio de conhecimento acumulado, passo a passo, que as grandes descobertas acontecem.
A Ciência ainda não descobriu como a atividade elétrica dos neurônios se transforma na experiência subjetiva de cada indivíduo
Francis Crick, um dos maiores cientistas do século XX, que descobriu o DNA juntamente com Jim Watson (Watson descreveu que após a descoberta, Francis Crick correu para o Pub Eagle que eles freqüentavam gritando que eles haviam descoberto o segredo da vida!), dedicou suas últimas décadas de vida, em colaboração com Christof Koch, tentando decifrar o outro grande segredo da vida: a consciência. Com tão difícil empreendimento, apenas um modesto avanço foi possível. Crick, entretanto, colocou a consciência no domínio científico e especulou sobre seus paradigmas. Ele acreditava que poderiam ser encontradas no cérebro áreas específicas que se correlacionam com a experiência do consciente e do inconsciente, em contraposição a outros que pensavam que a consciência está difusamente dispersa no cérebro, como Gerald Edelman. Crick proclamava que existiria uma ou algumas poucas áreas cerebrais onde as diversas informações sensoriais em um indivíduo atento seriam ligadas (a atenção parece ser crucial para a experiência da consciência).
Existe algo de muito especial a cada único momento – o agora, o estado atual da consciência. O “agora” que faz olhar e océrebro perceber o verde das folhas
Uma área que faria coerente a minha experiência de ver o verde das árvores do cemitério judaico, imaginar sobre a vida passada das pessoas que lá habitam e, percebendo este verde, indagar sobre como o meu cérebro é capaz de percebê-lo. Nos últimos dias de sua vida, em um ritmo frenético de trabalho, juntamente com um tratamento para câncer, ainda revisando o seu último artigo, Crick disse a amigos que acreditava que esta área tinha de ser o claustrum, uma região que se conecta extensivamente aos córtices sensorial, motor e à amígdala, e que ele intencionava estudar esta região em profundidade.

PERCEPÇÃO VISUAL
Diversos estudos têm focalizado a consciência e percepção visual a fim de começar a decifrar o grande enigma da consciência humana. Experimentos baseados na “rivalidade binocular” (binocular rivalry) têm provado ser um paradigma profícuo para o estudo dos correlatos neuronais das experiências visuais conscientes. Quando duas imagens distintas são apresentadas a áreas correspondentes dos dois olhos, elas competem pela dominância perceptiva. Por exemplo, se um conjunto de linhas verticais é apresentado a um olho, e um conjunto de linhas horizontais, à mesma região da retina do outro olho, às vezes linhas verticais são vistas sem vestígios de linhas horizontais, e outras vezes apenas linhas horizontais são enxergadas, sem a presença das linhas verticais. A percepção visual modificase, portanto, sem a alteração do estímulo visual. Os estudiosos da percepção visual têm-se interessado em registrar e compreender esta transição espontânea da percepção visual.

Estudos de neuroimagem corroboraram a hipótese de que a consciência e a atençãoestão intimamente relacionadas
Fotos de faces de medo fizeram parte de experimentos em que a resposta cerebral aponta para a existência do inconsciente de Freud

Experimentos de neuroimagem durante a “rivalidade binocular” proveram evidência de que a ativação de áreas nos córtices parietal e frontal correlaciona- se com a consciência visual quando a percepção consciente de uma pessoa transita de uma imagem a outra. Consistentemente, pacientes com lesões nestas áreas apresentam prejuízo na percepção visual (embora seja claro que é o córtex occipital, localizado mais posteriormente, o responsável pelo processamento visual). Parece que os córtices parietal e frontal enviam informações ao córtex occipital sobre o que deve vir à tona do consciente, e o córtex occipital realiza este trabalho (Crick, no entanto, poderia argumentar que o claustrum coordena estas áreas...). É interessante que estas localizações se sobrepõem às áreas ativadas durante a atenção enfatizando a hipótese de que a consciência e a atenção estão intimamente relacionadas e a atenção modula a consciência visual.

CONSCIENTE X INCONSCIENTE
Amit Etkin, Eric Kandel e Joy Hirsch, na Universidade de Columbia, em Nova Iorque, conduziram experimentos de imagem cerebral sobre as diferenças de como o cérebro processa informações emocionais no nível do consciente e do inconsciente. Aos participantes do estudo foram mostradas figuras de faces com expressão de medo de maneira que o processamento cerebral desta percepção ocorresse consciente e inconscientemente (neste caso, as faces eram visualizadas de maneira tão rápida que os sujeitos muitas vezes nem sequer percebiam que as haviam visto). Enquanto os participantes enxergavam as expressões faciais, imagens de seus cérebros foram obtidas por meio de ressonância magnética funcional.
Como era de se esperar, a amígdala (área cerebral associada ao processamento emocional) foi ativada. Entretanto, o achado curioso foi que diferentes sub-regiões da amígdala foram ativadas para o processamento das imagens quando conscientes e ao serem percebidas inconscientemente. Ainda mais, a sub-região ativada no processamento inconsciente (chamada amígdala basolateral) se correlaciona ao nível basal de ansiedade das pessoas. Quanto mais ansiosa a pessoa, maior a ativação inconsciente da amígdala basolateral.

Ciência do inconsciente
Muitos colocam a questão de como observar o inconsciente. Se a Freud se deve o mérito do termo "inconsciente", pode-se perguntar como foi possível a ele, Freud, ter tido acesso a seu inconsciente para poder ter conseguido verificar seu mecanismo, já que não é justamente o inconsciente que dá as coordenadas da ação do homem na sua vida diária. É nesse sentido que Freud formulou a expressão Psicopatologia da vida cotidiana. Como observá-la senão pelos efeitos inconscientes?
A pergunta por uma causa ou origem pode ser respondida com uma reflexão sobre a eficácia do inconsciente, eficácia que se dá em um processo temporal que não é cronológico, mas lógico. Não é possível abordar diretamente o inconsciente; nós o conhecemos somente por suas formações: atos falhos, sonhos, chistes e sintomas.
Outro ponto a ser levado em conta sobre o inconsciente é que ele introduz na dimensão da consciência uma opacidade. Isto indica um modelo no qual a consciência aparece não como instituidora de significados, mas sim como receptora de toda significação desde o inconsciente. Pode-se perguntar: de que modo o inconsciente poderia estar informado sobre os progressos da investigação psicanalítica a menos que fosse, precisamente, uma consciência?
A Psicanálise, fundada por Freud, é um método de investigação que consiste essencialmente em evidenciar o significado inconsciente das palavras, das ações, das produções imaginárias (sonhos, fantasias, delírios) de um sujeito.
Trata-se da ciência do inconsciente baseada principalmente nas associações livres do sujeito, que são a garantia da validade da interpretação. A interpretação psicanalítica pode estender-se a produções humanas para as quais não se dispõe de associações livres. A Psicanálise é um método psicoterápico baseado nesta investigação e especificado pela interpretação controlada da resistência, da transferência e do desejo.
Esse experimento traz algumas reflexões interessantes. Primeiro, o cérebro processa diferentemente as informações emocionais conscientes e inconscientes. Segundo, o processamento da percepção do medo inconsciente afeta muito mais pessoas com um alto nível basal de ansiedade. Essas experiências de imagens validam algumas das idéias de Freud: os efeitos da ansiedade moram muito mais no universo da imaginação, do inconsciente, do que no consciente propriamente dito. Este estudo sugere também como os conflitos do inconsciente são processados no cérebro (para Freud, a psicopatologia seria proveniente de conflitos do inconsciente e a Psicanálise propõe trazê-los à tona do consciente para resolvê-los – veja quadro Ciência do inconsciente) e, principalmente, suporta a idéia freudiana do fluxo de processamento inconsciente cerebral.
Grandes questões ainda pairam sobre a consciência: como o cérebro pode unificar os múltiplos processos sensoriais, motores e cognitivos como uma experiência consciente única e coerente? Qual é a base neural anatômica e fisiológica dela? Quais áreas são ativadas, quais são as conexões, que padrões específicos de atividade elétrica neuronal são necessários? Quais são as moléculas envolvidas? Ainda mais intrigante, como podemos refletir sobre nós mesmos? O cérebro é uma indisputável e formidável máquina que é ciente e pensa sobre si próprio. E imensamente difícil: qual é a natureza exata da tradução da atividade neuronal para a experiência subjetiva da consciência, única a cada indivíduo, com os sentimentos, memórias e signifi- cados próprios de cada pessoa?
A neurociência começou a avançar os estudos da consciência humana. Ainda neste imenso desconhecido e apesar das, até então, limitadas ferramentas para tanto, esperamos que, passo a passo, acumulemos conhecimento sobre a natureza do consciente e inconsciente humanos, abordando empiricamente estes enigmas que, de forma árdua, ainda se impõem sobre e sob nós.

Ana Carolina Guedes Pereira é médica e pesquisadora em Neurociência nos EUA. Autora de uma coleção de ensaios sobre Neurociência Em torno da mente, Editora Perspectiva, a ser publicada nos próximos meses. Contato: ap2387@ columbia.edu.

Todos os créditos deste artigo pertencem ao site http://www.portalcienciaevida.com.br/, nosso objetivo é levar informação até você.

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